Eu te choro Brasil

Fesal Chain,
em português por Heidi Laresky


Eu te choro democracia, sim,
eu choro agora, sozinho na minha casa
junto ao gato que me olha estranho
nessa tarde que se apaga,
tu dirás que estou histérico
que eu faço um grande teatro
do que é o mundo
que me deixo levar por uma ilusão
maís não,
eu te choro democracia
pois eu sei que o virá
maré alta amaldiçoada e enjoada dos olhos metralha
do turbilhão das linguas afiadas
das vergonhosas baionetas vingativas,
vejo-o tão claro como vejo a janela
essa janela suja que reflexa meus olhos
como água turva do esgoto,
eu te choro meu Brasil, tenho saudades
quando criança escutando Vinicius
Belchior ou Chico Buarque
eu te choro com o Drummond de Andrade
e com a Cecilia Meireles
na minha roupa feminina feita trapo
eu te choro com o Milton Nascimento
eu te choro com a Elís Regina na garganta
e com o meu delicado Ney Matogrosso
voando sobre a Amazônia
eu te choro com a minha rosa de hiroshima
vermelha como a minha alma
explodindo na minha língua e no meus lábios
eu te choro aqui, sozinho na minha casa
na mesma mesa que escreveu Manuel Bandeiras,
arranhando o papel
e o vidro afiado espelho como o machado
eu te grito Brasil do meu sangue
que “estou farto do lirismo comedido”
e olhando
o ocaso do teu rasgo e do meu
eu te sopro e resopro um bafo amargo
para cuspir sobre os facistas
que golpeiam e golpeiam a tua beleza,
que já nunca mais
nunca mais
“quero mais saber do lirismo
que não é libertação”.


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